quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

[Novel] No. 6 Volume 3 Capítulo 5

no.6 #3 

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(Parte A)

Em Companhia da Falsidade

Nos dias de velhice, o Buda
era apenas um mortal;
no fim, nós mesmos
seremos Budas também.
Quão penoso que as distinções
devem separar os
que são iguais partilhando
a natureza de Buda!
- Contos de Heike: Giou [1]

Shion lentamente se levantou do chão.

Apenas algumas brasas permaneciam no aquecedor e o quarto estava frio. Cravat, que estava enrolado contra o corpo de Shion, levantou a cabeça e chiou suavemente.

"Shh..." Shion levou seu cobertor em torno do ratinho. "Aqui, você dorme nessa parte. Só, por favor, não faça barulho, ok?"

Shion tinha ficado tão acostumado a esta sala que ele poderia achar seu caminho mesmo no escuro. Ele caminhou sorrateiramente até a porta. Destrancou e, antes de abrir, se virou novamente. Ele ouviu atentamente. Não havia barulho.

Parecia que a dor da ferida de Nezumi não o impedia de dormir. Acho que uma pequena ferida não seria suficiente para mantê-lo acordado. Havia tantas coisas que ele ainda precisava dizer a Nezumi. A alegria de conhecê-lo, a gratidão por tudo o que ele o tinha dado, e o profundo respeito que tinha por ele - Shion não tinha sido capaz de expressar nada disso adequadamente.

Fico feliz que te conheci.

Isso foi tudo o que eu consegui de dizer.

Shion inalou o ar da sala profundamente, apenas uma vez, antes de abrir a porta silenciosamente.

* * *

A lâmpada brilhou, sinalizando uma chamada de uma extensão direta da Câmara Municipal. O homem levantou o rosto dos documentos de pesquisa que estava folheando e levemente estalou a língua em irritação. O documento, que tinha sido impresso há décadas no papel, era muito intrigante, e ele queria ler um pouco mais. Mas a luz estava piscando em vermelho, sinalizando uma situação de emergência. O homem estalou a língua de novo, e colocou os documentos afastados em uma pasta.

Quando ele apertou o botão, o rosto familiar de um homem apareceu na tela. Ele era um homem que costumava ser chamado de Fennec (Nota: Fennec em português é Feneco).

Fennec ― a raposa do deserto. Quem foi o primeiro que começou a chamá-lo assim?

"Qual é o problema, Fennec?"

"Nós temos uma emergência. Duas amostras foram levadas para o Hospital Central."

"Algum problema com isso?"

"Ambas não estão registradas como amostras representativas nos dados."

"O quê?"

"Elas são diferentes das amostras que vocês solicitaram de nós. As coisas estão acontecendo por conta própria, fora do nosso controle."

"Talvez seja muito cedo para concluir que elas são amostras. Não poderia ser outra a causa?"

Fennec balançou a cabeça. A tela rapidamente mudou para outra imagem. Um clipe de áudio lia informações pessoais de dois corpos.

Nome, idade, endereço, profissão, histórico de doenças, medidas físicas, número de cidadania...

Um homem e uma mulher. Dois corpos. Ambos os rostos contorcidos em sofrimento, e eram de idade e enrugados. Se não fosse por suas expressões faciais, a causa da morte poderia facilmente ter passado como velhice. Mas a idade documentada de um deles estava na casa dos vinte, o outro em seus trinta e tantos anos.

"Você está certo, eles devem ter feito isso", o homem murmurou. A tela brilhou novamente, e as sobrancelhas franzidas de Fennec ficaram bem à mostra. O homem suspirou baixinho.

"... O que tudo isso quer dizer?"

"Eu acho que eu gostaria de saber isso!" Fennec levantou a sua voz, e as suas orelhas se contraíram indignadas. Ah, sim. Este era um hábito dele. Desde que ele era jovem, sempre teve o hábito de contrair as orelhas quando suas emoções ficavam agitadas. Era por isso que ele era chamado de Fennec. Uma raposa Fennec era uma pequena raposa com as orelhas mais longas do gênero, chegando a 15 centímetros.

"Mas como poderia algo inesperado assim acontecer?" Fennec continuou. "Eu não acredito nisso. O que está acontecendo?"

"Algo deve ter dado errado em algum lugar", respondeu o homem. "Mas é insignificante. Não é nada que você deva se preocupar."

A garganta de Fennec contraiu enquanto ele engolia as palavras do homem.

"Você tem certeza?"

"É claro."

"Você tem a responsabilidade maior neste projeto, você sabe."

"Não oficialmente", acrescentou o homem. "Bem, mas, novamente, nada sobre este projeto foi divulgado oficialmente."

"Mas se for bem sucedido, então o Projeto da Cidade de Nº 6, finalmente, será perfeito e completo. Certo?"

"Sim".

"Então, mesmo pequenos deslizes não serão permitidos."

"Eu sei. Vou iniciar uma investigação imediatamente para procurar a causa. Eu quero que você envie os corpos para o Quarto Especial de Autópsias, Seção V."

"Já estou encaminhando."

"Então eu vou começar a trabalhar imediatamente."

"Por favor. Eu estarei esperando o relatório."

"Roger".

"Ah, sim", Fennec acrescentou. "Uma vez que essa bagunça se acalme um pouco, estou planejando outra limpeza".

"Limpeza? Isso é algo que eu não ouvia há muito tempo. Então diga, Já está chegando a Celebração Santa, não é?"

"Sim, o mesmo dia reverente está chegando de novo. Se você precisar de alguma de suas experiências, posso mandar tantas quanto você precisar. O que diz?"

"Estou vexado pelas espécies das considerações de Sua Excelência."

"Nada dessa formalidade embelezada, se quiser."

"Mas você vai, eventualmente, tornar-se o governante absoluto desta terra", disse o homem. "O único Rei. Eu deveria começar a te chamar de Vossa Alteza".

"E como você gostaria que eu te chamasse?"

"Eu vou permanecer como eu sou. Se eu ainda estiver equipado com as mesmas tecnologias de pesquisa de alto nível e ambiente como estou agora, então não tenho mais nada a pedir."

"Disperso em seus desejos como sempre, estou vendo. Então eu confio que você vá fazer o trabalho."

A tela silenciosamente ficou em branco. O homem deixou o seu olhar voar sobre os documentos que ele tinha lido apenas parcialmente. Infelizmente, parecia que ele não seria capaz de ler o resto hoje.

Eram documentos relativos a espécies de formigas chamadas Eciton burchelli, que habitavam as Américas do Sul e Central. Estas formigas, que formavam colônias de numeração de até 500 mil, não viviam em um lugar estático, mas em vez disso, ciclos repetidos de acampamentos temporários e migrações eram necessários. Havia apenas uma formiga rainha que reinava sobre a colônia de 500.000. Mas o único propósito da rainha na colônia era de botar ovos, e ela não estava necessariamente no controle de seus membros. Formigas soldados e formigas operárias, grandes e pequenas, todas se moviam de acordo com os seus instintos, e, como resultado, a colônia funcionava perfeitamente, como se fossem governados por um grande intelecto comum.

Formigas, e abelhas também, criaram o sistema social ideal.

Não havia um modo de que os seres humanos não pudessem fazer o que os insetos já faziam. Cada um obedientemente preencheria o seu papel. Sem pensar, sem ser interrompido por suspeitas, eles iriam realizar a sua tarefa. Cérebros eram desnecessários. Almas eram de utilidade nenhuma.

Uma colônia de 500 mil, e um único para reinar sobre todos.

Você diz que eu sou disperso em meus desejos, não é? Você está certo, Fennec, não desejo nada. Eu não tenho nenhuma necessidade de desejar. Eu nunca terei de sofrer por ser dominado pelos meus desejos, como você.

O homem sorriu discretamente, e apertou o botão para o elevador que levava diretamente para a Sala Especial de Autópsias.

* * *

Uma geada havia caído. A grama congelada debaixo de seus sapatos fazia sons de trituração quando ele pisava em cima. Quando o sol nasceu, a geada deveria brilhar branca, e a vastidão estéril deveria ser envolta em luz por um instante fugaz. Mas ainda era muito cedo ― o sol ainda não subiria por mais algum tempo. Shion parou seus passos, e levantou o rosto para o norte do céu. Ele queria alcançar a Instituição Correcional antes do amanhecer. Ele não tinha ideia do que iria fazer uma vez que chegasse. Mas tinha de ir. Era tudo o que conseguia pensar. Por que Safu foi apreendida na Instituição Correcional, quando ela deveria estar no exterior? Tinha alguma relação a ele? Se sim, então a segurança de Karan também estaria comprometida? Incerteza e dúvidas irritantes percorriam seu corpo, bloqueavam suas vias aéreas e apertavam contra o seu coração. Ele não queria perder ninguém, nem sua mãe, nem Safu, nem Nezumi. Ele faria qualquer coisa para protegê-los. Mas ele estava frustrado consigo mesmo por não ser capaz de achar uma forma de como ele iria fazer isso.

Mesmo agora, enquanto ele estava andando, Safu provavelmente estava sozinha e assustada. Ele tinha que fazer alguma coisa. Ele tinha que salvá-la e tirá-la de lá. Mas o que ele estava a fazer? Como ele poderia...

Cheep-cheep.

Um grito suave. Seus pés pararam. Seus olhos, que se acostumaram à escuridão, focaram em um pequeno roedor atiçando seu rosto para fora da grama.

"Cravat?"

Ele pegou o ratinho em suas mãos.

"Você me seguiu até aqui? Vá para casa, você não deveria estar..." Ele percebeu no instante em que tinha dito isso em voz alta, que este rato não era Cravat. Não era Hamlet, também. Nem mesmo estava vivo. Este rato não portava nenhum sinal do carinho que os animais vivos tinham.

"Isto é... um robô...?"

"Ele é o navegador." Surgiu uma voz atrás dele. Ele não teve que se virar para saber a quem a voz pertencia. Shion tomou algumas respirações controladas, e, lentamente, virou o corpo.

Nezumi também se aproximava dele lentamente. Ele arrancou o robô minúsculo das mãos de Shion, e o jogou em uma bolsa.

"É um robô navegador simples com funções de mapeamento tridimensional. Estava avisando que você estava indo na direção errada."

"Na direção errada..."

"Você não estava indo para onde fica o Inukashi? Você ia dar àqueles cães de pêlo longo uma tosa porque suas peles estavam ficando inflamadas, não? Saindo muito cedo, hein? Que diligente você. Mas este não é o caminho."

Shion inalou o ar frio da madrugada que ainda estava por vir.

"Isso não tem nada a ver com você", disse ele cortante. "Não é da sua conta o que eu faço, ou aonde eu vou. Estou cansado de você tentando agir como meu guardião. Eu não sou um bebê indefeso, apenas me deixe em paz. Quer saber", disse ele, "já basta. Se você ainda acha que o que aconteceu quatro anos atrás é uma dívida, então deixe-me te dizer que agora já está pago. Você deu mais do que o suficiente. A partir de agora, eu vou ser livre. Eu vou fazer o que eu quiser, sem ser amarrado por você. Essa é a minha decisão, então não fique no meu caminho."

Ele ficou sem ar, e ficou em silêncio. Estava escuro demais para ver a expressão no rosto de Nezumi. Sua figura sombria se mexeu um pouco, e ele ouviu um aplauso suave.

"Isso é completamente uma recitação de um amador. Talvez você tenha talento para atuar, afinal. Realmente foi melhor que o beijo de ontem, pelo menos."

"Nezumi, o que..."

Ele pensou ter visto a mão direita de Nezumi balançando para cima, e então um duro golpe atingiu seu rosto. Shion cambaleou e caiu de costas. O gosto de sangue espalhou dentro de sua boca.

"...O que foi...!"

"Fique de pé já que pode fazer perguntas. O próximo está vindo."

A ponta da bota de Nezumi girou em sua direção. Shion, instintivamente, rolou para o lado.

"Não pare por aí mesmo. Mantenha o movimento, mantenha a fluidez."

Um pontapé pousou firmemente nas costelas de Shion. Sua respiração ficou presa na garganta. Ele se agarrou cegamente num punhado de seixos que enchiam o trecho de gramado.

"Não feche seus olhos. Não olhe para longe dos ataques de seu oponente. Mexa-se!"

Shion se virou para chicotear os seixos em Nezumi, e, ao mesmo tempo, empurrou o chão e tentou chocar com ele com o ombro. Seus pés foram varridos de debaixo dele, e ele se bateu no chão. Desta vez, ele não pôde se levantar novamente. Ele podia ver as estrelas. As estrelas que espalhavam por todo o céu ainda intocado pela madrugada brilhavam quase que assustadoramente intensas.

Ele foi agarrado pelo braço e puxado do chão.

"Shion, isto é um castigo."

"Um castigo pelo quê?"

"Você mentiu para mim."

"Bem..."

"Você vai admitir isso, não vai?"

"É... eu acho."

"Seu segundo crime. Você me menosprezou".

"Eu nunca fiz isso."

"Mentir para alguém significa que você está menosprezando ele. Você acha que eu iria cair na sua desculpa esfarrapada? Se isso não é um insulto para mim, eu não sei o que diabos é".

"Foi o melhor que eu pude fazer", Shion protestou debilmente.

"Bem, você seria um político ou um escritor horrível, já que você não pode sequer bolar uma mentira realista".

"Foi tão ruim assim?"

"Atroz. Mas isso é o que me irrita mais, Shion..."

"Sim?"

"Que você deve ter achado que eu era um moleque que não podia dizer o tipo do beijo do outro. Beijo de boa noite, hein? Besteira."

Nezumi ajoelhou-se na frente de Shion e agarrou seu pescoço com força.

"Você está me ouvindo? Nunca me de um beijo de despedida novamente. Nunca."

"Eu sinto muito."

"E nunca minta para mim de novo."

"Eu não vou."

"Jura".

"Eu juro".

A mão o soltou. Nezumi se fixou numa posição sentada, e olhou para os céus.

"Eu ouvi dizer que há coisas estranhas acontecendo na N° 6."

"Estranhas?"

"Eu não sei os detalhes, mas Inukashi está reunindo informações para mim. Se fizermos isso bem, talvez possamos usar o velho Rikiga e obter algumas informações através de seus clientes, também. E parece que estão acontecendo coisas na Instituição Correcional também. Uma comoção está acontecendo dentro e fora da Nº 6 ao mesmo tempo. Um pouco estranho, não acha?"

"Instituição Correcional? Nezumi, você está dizendo..."

"Sua amiga importante, ou o que seja... você a chamou de sua melhor amiga, certo... fiquei sabendo sobre ela faz um tempo."

Ele entregou o memorando de Karan para Shion. Os dedos de Shion começaram a tremer depois de ter lido a nota.

"Sua Mama está segura por agora. Eu não tenho tanta certeza sobre a sua melhor amiga. Mas não entre em pânico. Agora, temos que reunir todas as informações que pudermos e estabelecer um plano. Inukashi disse que vai ajudar. Isso tudo é a preparação para que possamos infiltrar na Instituição Correcional, logo que possível. Entende? Nós não estamos indo lá para sermos mortos. Nós estamos indo lá para salvá-la. Tenha calma."

Shion assentiu.

"Então, eu finalmente te arrastei para a confusão, também."

"Não é culpa sua. Inukashi diz que ele fareja alguma coisa, e, francamente, eu tenho minhas próprias suspeitas também. Porque eles precisam prender um membro precioso de sua elite? Há uma chance de que isso tenha a ver com os incidentes da vespa".

"As vespas parasitas, hein... mas elas não são ativas nesta época do ano."

"É por isso que algo deve ter acontecido, algo inesperado. Caso sim, então pode valer a pena arriscar o perigo. Qualquer que seja o caso, sempre que Inukashi entra em contato comigo é quando nós fazemos o nosso próximo passo. Até aí, nós temos que recolher nossa própria informação e começar a fazer os preparativos."

Nezumi se levantou e falou com uma bela voz que soou cristalina.

"Anime-se. As coisas vão dar certo. Vamos fazê-las dar certo."

"Obrigado. Você me salvou de novo."

"As coisas estão apenas começando."

Shion levantou-se em seguida, e chamou o nome do rapaz que estava ao lado dele.

"Nezumi".

"Hm?"

"Se importa se eu..."

"Huh? O quê?"

Quando Nezumi se virou para olhar curiosamente para ele, Shion lhe deu um tapa no rosto tão forte quanto podia. Nezumi, é claro, não fez tanto como cambalear ― mas ele certamente ficou assustado. Depois de tomar fôlego, ele gritou:

"...diabos foi isso?"

"É um castigo."

"Castigo?"

"Você escondeu coisas de mim. Você nem sequer mencionou uma palavra para mim sobre este memorando."

"O que eu ia te dizer, afinal? Eu não poderia tê-lo vagando por si mesmo como você fez esta noite. Eu te fiz um favor e cuidei de você. Ou o quê, você está dizendo que eu não tenho o direito de ficar preocupado ― espera, eu já ouvi essa fala antes em algum lugar."

"Preocupar-se comigo e esconder coisas de mim são duas coisas completamente diferentes. Não é como se eu quisesse ser protegido por você. Eu não quero relaxar e viver uma vida fácil, estando sempre protegido por você. Eu quero..."

Shion suavemente apertou os dedos ao redor de sua mão, a qual ele ainda podia sentir a sensação do rosto de Nezumi.

"Quero ser igual a você."

Nezumi encolheu os ombros e ergueu a mão direita em uma promessa.

"Eu admito o meu erro. Eu não vou fazer isso de novo."

"Você jura?"

"Eu juro junto com o meu rosto maltratado."

Ao longe, um galo cantava. Mesmo na escuridão, ele podia sentir a vinda do amanhecer, que anunciava em voz alta e estridente. Em instantes, o céu ao leste iria clarear, e a luz do sol limparia a escuridão. O primeiro dia de sua batalha estava prestes a começar.

* * *

Safu estava tentando acordar. Ela podia sentir sua consciência começando a voltar gradualmente. Mas as suas sensações físicas ainda estavam enevoadas.

Onde eu estou?
O que estou fazendo aqui?
Eu estou sonhando?
Eu tenho que lembrar.
Lembrar o quê?
Minha pessoa muito preciosa.
Pessoa preciosa.

"Safu."

Ela podia ouvir uma voz muito próxima, a voz de um homem.

Não.
A voz não é essa.
A voz que eu estou esperando
não é essa.

"Como você está se sentindo? Eu ouso dizer que você deve estar se sentindo um pouco diferente do que você está acostumada? Mas você vai se acostumar com isso em um momento. Espero que você goste desta suíte especial. É a melhor que você poderia pedir, e é especialmente para você, Safu".

Eu não gosto dessa voz.
Não chame o meu nome.
Não chame o meu nome
com essa voz.

"Safu, você é muito bonita. Ainda mais do que eu imaginava. É bonita, mesmo. Estou muito satisfeito."

Eu não gosto dessa voz e
Eu não gosto desse cheiro.
Cheira a... sangue.
O cheiro de sangue.

"Estou bastante ocupado hoje. Voltarei, Safu. Você deve relaxar e descansar um pouco também."

Os passos desapareceram, assim como o cheiro de sangue. Ela ficou aliviada.

Mas por que
Porque tudo está tão
nebuloso?
Mas eu

Das margens de sua consciência, que ainda não estava totalmente recuperada, uma figura surgiu vividamente em um flash.

Aqueles olhos, aquelas narinas, aquela boca, o olhar distante, o sorriso energético, ou aquela expressão nublada, os dedos longos... e ah, ela podia ouvir sua voz.

"Eu sempre pensei em você como amiga."

Ele sempre foi uma criança. Ele nunca tinha sequer percebido os sentimentos dela por ele. Mas lá estava ele, desesperadamente procurando e desejando outra pessoa. Ela adorava aquela criança, embora intencionasse a alma dele. Ela o amava como se amasse a nenhum outro. Mesmo agora...

Ela estava se esvanecendo da consciência. A escuridão drapeava gentilmente sobre ela.

Eu nunca vou te ver de novo....
Shion.

Shion passou a maior parte do dia cuidando dos cães. Não houve nenhum sinal de Inukashi na parte da manhã, então Shion teve que preparar comida e alimentar dez cães, tudo sozinho. Ele quase que não teve tempo para descansar, mas não sentia que seu trabalho era duro. Pelo contrário, ele estava realmente grato por isso. Imerso em seu trabalho, ele poderia esquecer a sua agitação, mesmo que por um curto espaço de tempo.

Não se apresse e espere com paciência. Aja com calma.

As palavras de Nezumi certamente eram persuasivas, e ele não tinha escolha a não ser assentir com a cabeça, mas mesmo assim não podia evitar a sua agitação. Ele não conseguia manter a calma.

Neste momento enquanto eu estou pensando nisto, Safu está...

Toda vez que o pensamento cruzava a sua mente, suas emoções eram jogadas em desordem, ele iria entrar em pânico, e ele iria morder o lábio até sangrar.

Um cachorro ganiu tristemente. Era um de uma ninhada de filhotes que nasceram no início do outono. Shion percebeu que ele estava olhando para o nada quando deveria fazer a sua refeição.

"Ah, me desculpe."

Ele rapidamente colocou as sobras cozidas em suas tigelas de comida. Os filhotes ferozmente abanaram suas caudas idênticas ao mergulharem as caras na comida. Em meio a circunstâncias em que mesmo os seres humanos morriam de fome, Inukashi conseguia fornecer para seus cães o suficiente para que eles não morressem esfomeados.

As sobras eram enviadas para as ruínas no meio da noite, e eram ordenadas em alimento para os seres humanos, que seria enviado ao mercado, e o resto era utilizado para a alimentação canina. Shion finalmente soube agora de onde vinha. Inukashi provavelmente estava traçando esse caminho. Nezumi, também, havia desaparecido numa parte no início da manhã.

O que ele poderia fazer?

Quanto mais pensava sobre isso, mais ele ficava cara-a-cara com a sua própria impotência. Agitava-o. Ele não conseguia manter a calma. E ele iria morder o lábio de novo, e tentava resistir.

Havia uma sensação de calor na parte de trás de sua mão. Ele olhou para baixo para ver um filhote atentamente lambendo sua mão. Cravat enfiou a cabeça para fora do bolso de sua blusa, e abaixou-se para dentro de novo.

Ele queria mostrar a Safu este filhote de cachorro e este ratinho. Ele queria deixá-la tocá-los, e deixá-la sentir o calor de suas línguas e de seus corpos pequenos.

Safu lhe era querida. Ela era preciosa para ele. Mas era diferente do sentido amoroso ― era mais sereno, mais profundamente conectado. Ele amava a sua família como, como um amigo próximo. Qualquer que fosse o tipo de amor, não faria nenhuma alteração no fato de que ele se preocupava com ela.

Ele fechou os olhos. Ele chamou seu nome.

Safu.

(Parte B)

"Você quer que eu coopere com você?" Rikiga fez uma expressão claramente desagradável.

"Sim", respondeu Nezumi. "Eu quero que você recolha informações de seus clientes." Nezumi se sentou confortavelmente na cadeira e colocou os pés em cima da mesa.

"Informação? Você quer dizer sobre a Cidade Santa?"

"É".

"E o que eu ganho com isso?"

"Grandes riquezas."

Rikiga se levantou e caminhou até Nezumi. Eles estavam em um quarto no edifício de Rikiga usado como seu local de trabalho. Era uma sala cheia de revistas e garrafas vazias, e cheirava a álcool. Olhando para Nezumi, Rikiga torceu a boca numa careta.

"Que pernas longas que você tem, hein. Tá se exibindo?"

"Que honra ser elogiado por você. Elas são máquinas de dinheiro, eu tenho que mantê-las em forma."

A mão de Rikiga bateu fortemente no par de pernas arremessadas em cima da mesa.

"Tire os pés da minha mesa. É óbvio o tipo de educação que você teve", disse ele com desdém. "Nem sabe maneiras básicas, não é?"

"Eu uso as minhas maneiras com as pessoas que merecem elas."

"Sem mencionar a sua linguagem obscena", Rikiga continuou. "E este favor que você está pedindo, isso é algum tipo de peça? Você está praticando um novo papel que você conseguiu?"

"É um problema real."

"Um problema real, hein. Grandes riquezas, você disse? Ridículo."

Nezumi olhou para o rosto de Rikiga, e esboçou um leve sorriso.

"O que há de errado?" disse ele. "Isso é sobre fazer uma fortuna ― você ama esse tipo de coisa. Não fica animado com isso?"

"O que faz você pensar que eu vou acreditar no que uma fraude de ator de terceira categoria, me diz?"

"Então quem você ouviria? Shion?"

O olhar de Rikiga vacilou.

"Shion? Shion tem algo a ver com isso?"

"Ele tem muito a ver com isso."

"Você o envolveu nisso, Eve?"

"Não. Shion enterrou as sementes, elas apenas estão crescendo no meu quintal".

"O que você quer dizer?"

"Se você concordar em me ajudar, eu vou te dizer."

"Desembucha".

"Primeiro, eu quero que você me mostre as informações de seus clientes. Quando é a próxima vez que um funcionário importante da Nº 6 vai vir para se divertir um pouco? Eu quero saber seu nome e seu cargo."

Rikiga exalou brevemente e cruzou os braços.

"Eve, quantos anos você tem?"

"Sou mais novo que você, velho."

"Você deve ser jovem o suficiente para ser meu filho. Penso em dizer isso faz um tempo, mas um moleque como você não tem o direito de tratar adultos desse jeito. Você está sujeito a aguentar as consequências."

Com seus olhos ainda focados em Nezumi, Rikiga gritou: "Conk", em voz alta. A porta para a sala ao lado se abriu e um grande homem entrou.

"Ele é o meu novo guarda-costas", disse Rikiga. "O contratei faz pouco tempo. Ele costumava ser um lutador, e as pessoas costumavam apostar nele em jogos. Ele quase matou várias pessoas com as próprias mãos. No ringue, e fora dele também."

O homem silenciosamente olhou para Nezumi. Ele era tão grande, que fazia o quarto sujo parecer menor apenas estando nele.

"Conk, quero dar a este pequeno príncipe aqui uma recepção adequada. Você não tem que matá-lo. Apenas dê o suficiente para que ele nunca mais seja capaz de fazer outro retorno inteligente novamente."

"Huh?" Conk gaguejou. "Uh..."

"Não faça 'uh' para mim, eu estou dizendo a você para ensinar a esse garoto como é o soco de um adulto de verdade," Rikiga disse irritado.

Conk lambeu os lábios e deu um passo para frente. E outro passo. Nezumi se levantou. Rikiga sorriu com desdém.

"Este é o castigo que merece, Eve. Cada minuto dele."

Os pés de Conk pararam.

"Eve... é você mesmo, Eve?"

Nezumi sorriu e ofereceu a mão em um gesto delicado. Seu sorriso sensual fez até mesmo Rikiga piscar.

"Então, o seu nome é Conk? Prazer em conhecê-lo, Conk. Obrigado por sempre vir me ver no palco. Eu nunca teria sonhado que eu te encontraria aqui. Estou muito feliz."

"Ah... Eve, eu também."

Conk corou em carmesim e gentilmente apertou a mão que lhe foi oferecida.

"Eu sempre fui um fã seu... Eu vi quase todos os seus espetáculos..."

"Eu sei. Você se destacava, então eu sempre sabia quando você vinha para os meus shows. Você até mesmo me enviou presentes, às vezes. Eu sempre quis lhe agradecer diretamente."

"Sério? Você... Você realmente pode dizer quando... quando eu..."

"Claro. E da última vez, você até chorou. Fiquei te observando do palco, também, você sabe."

"Observando? Você estava me observando?"

"Te observando."

"Eve... eu não sei como dizer... eu..."

"Você está emocionado?"

"Sim, emocionado. Com felicidade. Nunca estive tão feliz. Sinto como se estivesse flutuando no ar."

"Obrigado, Conk" Nezumi disse agradavelmente. "E eu odeio te incomodar, mas eu gostaria de ter uma boa e longa conversa com Rikiga-san. Você seria amável e me serviria uma xícara de café?"

"Claro. Alguma coisa para comer?"

"Seria bom. Você tem torta de carne, por acaso?"

"Sim. Vou trazê-lo imediatamente".

Conk desapareceu na sala ao lado com uma rapidez incrível para sua estatura. Rikiga balançou a cabeça.

"Café e torta, hein? Essas coisas são todas minhas, você sabe", Rikiga resmungou.

"Não reclame, ou ele provavelmente te soca. Você mesmo disse. Ex-lutador. Quase matou várias pessoas. Certo?"

"Eu posso ver por que a sua esposa o expulsou de casa," Rikiga disse amargamente. "Ele é completamente inútil quando você mais precisa dele."

"Ele é um bom rapaz. Provavelmente faz um café excelente."

Rikiga estalou a língua três vezes.

"É muita coisa, Eve. Você não só pode lidar com uma faca, como você também pode usar o sex appeal para a sua vantagem também?"

"Ambos fazem boas armas."

"Então, use a arma que você tem."

Nezumi se sentou em uma cadeira e cruzou as pernas.

"Eve, você não é um rato", Rikiga continuou. "Você é uma raposa branca, astuta e demoníaca, ótimo em manipular pessoas. Agora, eu não sei quantas caudas você tem, mas eu sei de um homem que gosta desse tipo de coisa. Ele é da elite, trabalha na Secretaria de Administração Central. Ele é o meu melhor cliente."

"Isso significa que você está cooperando comigo?" O rosto de Nezumi estava sombrio. O rosto de Rikiga também estava sério.

"Eu também ouvi que recentemente houve uma comoção dentro da N° 6."

"As notícias te alcançam rápido, hein. Estou impressionado."

"Não tente me bajular com coisas que não te importam. Ficar por dentro das notícias é o que mantém o meu negócio funcionando. Mas sério” disse estupeficado. "Esta é a primeira vez que eu ouço falar de alguma coisa fora do lugar naquelas bandas. E foi assim que a Cidade Santa veio a ficar depois de tantas décadas? É provavelmente por causa do tempo que as coisas começam a se desgastarem nas emendas. E se esse é o caso, então eu quero saber mais. Eu ainda estou preocupado com essas coisas, Eve. E se Shion está envolvido... então eu não quero dar as costas".

"Ele é precioso para você?"

"Ele me lembra da Karan. E ao contrário de você, ele é sincero e amável. Ele é um bom garoto. Karan o criou bem. Provavelmente ela o regou com muito amor."

"O que há de errado, velho?"

"O quê?"

"Por que está tão sério? Você está doente ou algo assim?"

"Me deixa, vai", Rikiga estalou. "Quando estou com Shion, eu me sinto em paz. Eu não sei por que... Mas de qualquer maneira, eu vou lhe mostrar os arquivos de dados dos meus clientes. Uma vez feito isso, vamos ouvir a sua história. Eu não tenho certeza se isso vai ascender a "enormes riquezas', mas pode ser de algum interesse para mim."

"Isso é o que você realmente espera, não é?"

"Diga o que quiser."

O aroma do café flutuou até ele.

Nezumi pensou em Shion.

Regado com amor ― ele provavelmente havia sido muito bem regado. Sua imprudência, sua generosidade, sua simplicidade, sua ampla aceitação, eram, provavelmente, todos os sinais da ampla quantidade de amor que ele havia recebido. Shion provavelmente nunca tinha vivenciado aquilo o que era rastejar por amor. Essa era a sorte dele. Mas o amor às vezes poderia ser revertido a seu oposto. O amor poderia atrair o ódio, e se levar a destruição.

Felizmente, o amor que tinha sustentado Shion, o amor que residia dentro de Shion, não se tornaria as correntes que o prenderiam, nem a mão que o levaria a morte...

Nezumi inalou profundamente o cheiro perfumado, mal conseguindo evitar um suspiro de escapar de seus lábios.

Inukashi se arrastou pelo caminho, frequentemente inclinando a cabeça em perplexidade.

Ele não sabia como classificar a informação que havia reunido. Era como fazer uma triagem de minério, separando as gemas das rochas. A partir das resmas de informações, ele tinha de selecionar aquelas que importavam, construir as partes em uma estrutura, e tirar uma conclusão. Ele não era muito bom para estes processos.

Ah bem. Eles vão descobrir o resto. O meu trabalho é apenas despejar toda a informação na frente deles. Mas eu não posso evitar em pensar...

Ele parou seus pés por um capricho e esticou o pescoço. À distância, podia ver as muralhas da fortaleza de N° 6. O material especial refletia a luz do inverno. Inukashi nunca tinha pensado profundamente sobre aquela terra. Era apenas um mundo totalmente diferente, brilhando ao longe. Era isso. Sua única preocupação era sobreviver à privação do dia, e negociar para não morrer de fome. Ele nunca havia ligado o seu calvário com a brilhante Cidade Santa. Mas Nezumi era diferente. Ele estava constantemente ocupado com a N° 6 em si.

Por que ele insiste em se preocupar? O que o levava a isso?

Amor e ódio não eram diferentes já que ambos eram armadilhas.

Houve uma rajada de vento. Estava frio. A qualquer hora amanhã, o tempo provavelmente mudaria.

Inukashi se encolheu e deu um pequeno espirro.

Ele havia se deixado levar, sabia disso. Ele havia sido levado firmemente pelas intenções persistentes de Nezumi, e a determinação de Shion.

Não, não é isso. Metade da culpa foi de eu mesmo ter me metido nisso.

Não era porque ele tinha sido ameaçado por Nezumi, ou porque sentiu pena de Shion. Ele entrou em cena por vontade própria.

Mas por quê?

Ele questionou a si mesmo, mas não recebeu uma resposta.

Por quê? Por que eu...

Ele esticou o pescoço novamente para analisar a Cidade Santa.

Alí, a Cidade Santa de N° 6 brilha, e aqui é onde passamos nossas vidas. A quantidade de sobras que N° 6 cospe em um único dia é o suficiente para satisfazer facilmente a fome de todas as pessoas aqui. Apenas sobras. Comidas meio comidas, pelo amor de Deus.

Gula e fome, extravagância e pobreza, alegria da vida e medo da morte, arrogância e humilhação...

Ele seria capaz de mudar isso?

Inukashi caminhou rapidamente com o vento. Seu cabelo ondulou e oscilou por trás dele.

Seria ele capaz de mudar a realidade em que havia se resignado, os dias que ele tinha lutado para sobreviver, sua vida que há muito havia sido despojada de qualquer dignidade como ser humano?

Ridículo. É apenas um conto de fadas. Além disso, o que podemos fazer agora que... Mas Nezumi era capaz, e assim também era Shion. Nezumi e Shion acreditavam. Eles acreditavam que eram capazes de mudar as coisas com o seu próprio poder.

Inukashi não conseguia rir deles por isso. O pensamento, a possibilidade, passou por sua mente.

Isso é ruim.

Um passo em falso e ele provavelmente não viveria para ver a primavera.

Isso é ruim. Isso é muito ruim.

Mas ele estava alegre. Sentia-se tão alegre que sentia como se fosse cantar.

Enquanto ele assobiava uma melodia leve, o vento batia em seu corpo, Inukashi se encontrou dando um impulso para correr.

Shion terminou ordenadamente de pentear o último cão, e tombou-se no lugar. Ele tinha de admitir que estava exausto. O dia inteiro hoje se dedicou a cuidar dos cães. Ele sentia como se ele mesmo tivesse se tornando um cão. Já estava anoitecendo.

Os filhotes se empurraram para ele, brincando.

"Tudo bem, tudo bem. Venham, então, todas as suas pulgas devem ter ido agora." Ele tinha acabado de escovar um deles quando Cravat deu um grito de seu bolso. Shion levantou o rosto.

Nezumi estava bem a sua frente. Ele não tinha percebido isso. Ele não tinha sentido nenhuma presença. Mas é claro que, a esta altura, não era nenhuma surpresa para ele também.

Shion abaixou o filhote e se levantou sem dizer uma palavra. Nezumi, também em silêncio, empurrou o queixo. Ele começou a andar em linha reta em direção às ruínas.

"Nezumi... você recebeu notícias de Inukashi?"

"Os dois estão esperando por nós."

"Dois?"

Subiram as escadas em ruínas e abriram a porta no final do corredor. Em cima da pequena mesa redonda, uma vela estava queimando. Inukashi e Rikiga estavam sentados.

"Eles ofereceram graciosamente a sua ajuda. Vamos ser gratos, Shion."

"Graciosamente?" Inukashi zombou, e deu um suspiro exagerado. "Eu não acho que sermos ameaçados, subornados ou enganados para fazer algo é ‘gracioso’, Nezumi".

Shion deu um passo adiante e inclinou a cabeça profundamente. Ele não tinha palavras para dizer. Sentia-se como se as palavras não fossem capazes de expressar o quão grato ele se sentia.

"Obrigado... todos vocês." Esta declaração típica era tudo o que ele podia dizer.

"Shion, não há necessidade de levar isso a sério", brincou Nezumi. "Todos eles têm segundas intenções. Só estão aqui porque foram atraídos para o doce aroma de lucro pessoal".

"Eve, um dia desses, essa sua língua atrevida vai apodrecer e cair. Isso eu tenho certeza." Rikiga tinha uma garrafa de uísque na mão direita, que ele havia, evidentemente, trazido junto com ele. Ele tomou um gole e engoliu lentamente.

Nezumi indicou com o seu olhar para Shion para se sentar e se abaixou em uma cadeira logo depois. Inukashi foi o único que se levantou.

"Posso começar, Nezumi?"

"Sim. Vá em frente."

Shion apertou um punho em seu colo. Fiz todas essas pessoas serem envolvidas. Eu sou o único que fez isso. Eu não posso me deixar esquecer isso.

Uma mão de repente se estendeu para ele. Era de Nezumi. Ele gentilmente abriu o punho de Shion, dedo por dedo, suavemente, como se estivesse brincando com ele.

"Estamos apenas começando. Fique tenso assim, e você não vai durar muito."

Com o olhar fixo na chama tremulante da vela, Nezumi falou como se para si mesmo. Havia, provavelmente, uma brisa vinda de algum lugar para que a chama ficasse oscilando. Já estava completamente escuro lá fora. Um longo dia estava chegando ao fim. Não, as coisas estavam apenas começando. Eles estavam apenas começando ali.

"Esta semana, o número de presos escoltados para a Instituição Correcional foram três. Entre eles..." Inukashi sumiu enquanto olhava para a vela, em seguida, retomou. A escuridão se intensificou sobre eles. A chama brilhou. "Entre eles, não havia mulheres. Não houve escoltas de dentro da cidade. Todos os três eram homens do Bloco Ocidental."

Nezumi o questionou em voz baixa.

"Você tem certeza disso?"

"Sim. Ouvi diretamente do cara que é encarregado de preparar as roupas dos prisioneiros. Havia três deles registrados nos dados do Registro de Prisioneiros. Eles tentaram invadir o escritório de controle de acesso para roubar dinheiro. Ou eles estavam com fome suficiente para fazer isso, ou eles se achavam engraçados. De qualquer maneira, não havia nenhuma mulher."

"Isso não pode ser!" Shion saltou de seu assento.

Não havia uma possibilidade de que pudesse ser. Mas, ao mesmo tempo, seu coração amoleceu por um instante. E se Safu realmente estivesse segura? Talvez esse casaco fosse apenas um engano meu, e não pertencesse à Safu. Talvez...

"Se isso for verdade, então as coisas vão ser complicadas." Nezumi franziu a testa. Sua voz era fria, como a brisa que fazia a chama tremer.

"Complicadas?"

"Isso significa que ela provavelmente não é uma prisioneira legítima. Sei que é estranho chamar um prisioneiro de legítimo, mas se ela não está registrada como uma na Instituição Correcional, então Shion, isso significa que ela não existe mesmo como uma prisioneira. Ela foi apagada."

"Apagada..."

"No momento em que sua amiga foi capturada pela Secretaria de Segurança, todos os seus dados como uma cidadã devem ter sido apagados. Em circunstâncias normais, os dados seriam apenas encaminhados para o computador principal da Instituição Correcional, e apresentados como dados de prisioneiros. Então, uma vez dentro do mecanismo, toda a sua informação pessoal seria recolhida e adicionada, juntamente com as fotos de todos os lados, altura, peso, impressões digitais, assinatura vocal, íris e a sua veia do dedo. Somente após esses procedimentos os presos realmente se tornam prisioneiros. Isso não importa muito para os ladrões do Bloco Ocidental, mas se o assunto é um ex-cidadão da N° 6, então eles com certeza gostariam de aprofundar estas coisas. Mas desta vez, isso não foi feito. Porquê? Então, seria para não deixar nenhum vestígio de que sua amiga existiu."

"Hey, Nezumi". Rikiga ruidosamente colocou a garrafa sobre a mesa. "Você não pode falar as coisas um pouco mais delicadamente? Toda essa conversa sobre apagar e deixar vestígios... é quase como se você estivesse dizendo que a garota... é, Safu, né? Você faz parecer como se essa menina Safu já foi assassinada."

"Eu acho que você está precisando de mais delicadeza do que eu, velho."

Shion engoliu em seco, enquanto ouvia os dois falarem. Ele não se sentia bem. Ele sentiu como se estivesse em um ataque sórdido de embriaguez. Mas agora não era o momento de cair sobre a mesa e ir dormir.

Safu....

"Safu foi um recurso humano excepcional", Shion disse uniformemente. "A cidade gastou muito tempo e dinheiro em sua educação desde a infância. Eles a estavam educando para ter uma futura carreira nos escalões superiores da cidade. Porque eles a apagaram? Seria uma enorme perda para a cidade também se eles fizessem isso."

Sua própria voz soava como a de um estranho aos seus ouvidos. Era uma voz rouca e irritante.

"Sim, esse é o problema", Nezumi concordou. "Por que eles estavam tão dispostos a acabar com uma elite que eles domesticaram com todo esse tempo e dinheiro? Não é provável que ela foi lá e fez algo idiota, como você fez quando tinha doze anos."

O nariz de Inukashi contraiu.

"Que coisa idiota? Será que isso tem algo a ver com o porquê de Shion ter sido expulso da N° 6?"

"Sim. Mas isso não é relevante agora. Shion."

"É..."

"Qual é a estrutura familiar da sua amiga?"

"Safu não tem pais. Acho que a única parente que ela tinha era a sua avó. Ela disse que tinha sido criada por ela."

"Apenas a avó, hein. O que significa que se a avó morre, então Bestie fica sem parentes."

"É..."

Shion levantou o rosto, e seu olhar se encontrou com um par de olhos cinzentos. Ele poderia, finalmente, entender onde Nezumi estava tentando chegar.

"Mesmo que Safu desaparecesse, não haveria nenhum parente para fazer muito caso sobre isso. E não só isso..."

"O que mais?"

"Safu deveria estar morando em outra cidade por dois anos em intercâmbio. Mesmo que ela desaparecesse da N° 6, ninguém acharia estranho."

"Isso provavelmente resume tudo, então. Ela é uma elite, não tem parentes, e não levanta suspeitas se ela desaparece por um longo tempo. Sua melhor amiga preenche esses requisitos. Foi por isso que foi presa e encarcerada na Instituição Correcional. Não como prisioneira, mas..."

"Não como uma prisioneira, então para quê?"

"Eu não sei." Nezumi balançou a cabeça. Inukashi se inclinou para frente.

"Ei, isso tem algo a ver com os boatos? Aqueles sobre a doença estranha acontecendo na N° 6."

"Você tem os detalhes sobre isso?"

"Não", Inukashi disse prontamente. "Não é tão fácil obter informações sobre o que está acontecendo dentro daquela cidade, você sabe. Isto pode ser mais um trabalho para o Sr. Alcoólatra."

Rikiga bebeu o resto do conteúdo da sua garrafa, e olhou para Inukashi com os olhos injetados de sangue.

"Eu não acho que um menino-sarnento tem o direito de me chamar de alcoólatra. Quanto à informação privilegiada sobre a cidade, eu não posso obtê-la imediatamente. O mais breve seria depois de amanhã. Mas estou avisando, Eve, só porque você tem todas as informações de que precisa, isso não significa que as coisas estão indo bem. Como você planeja se infiltrar na Instituição Correcional? "

Não houve resposta. Rikiga encolheu os ombros.

"O que você vai fazer? Atacar o Escritório de Controle de Acesso, como aqueles três lunáticos, e ser preso de propósito?"

"Não é possível fazer isso", Nezumi disse bruscamente. "Toda a minha informação pessoal está gravada no computador principal deles."

"Uh? Então era verdade que foi uma vez para a Instituição Correcional. Ah, então há uma forma de sair daquele lugar vivo, hein. Que surpresa. Me dá um autógrafo, vai, eu vou pendurá-lo na parede. Claro que, com o seu nome real. "

Nezumi ignorou a piada de Rikiga. A chama brilhou violentamente. O vento provavelmente tinha ficado mais forte.

"Inukashi... E sobre o sistema de segurança?"

"Eu não arranjei nada muito específico. Consegui os principais pontos. E parece ter uma nova fábrica que está sendo construída no subsolo."

"Novas instalações? Para quê?"

"Eu não sei. Nem os guardas estão autorizados a ir lá. Supostamente há um elevador que leva diretamente para o andar de cima, mas também tem um sistema de reconhecimento físico elaborado para que apenas uma fração das pessoas possa entrar."

"Top-secreto e confidencial, hein... e esta instalação está localizada na Instituição Correcional, e não na Moondrop. Estou vendo."

Nezumi mergulhou em seus pensamentos. Shion fixou seu olhar sobre o perfil de Nezumi.

"Nezumi".

"O quê?"

"Ser preso seria a maneira mais fácil e infalível, certo?"

"Em certo sentido. Mas uma vez que você entrar assim, não haveria folga para a livre circulação, contudo."

"É impossível resgatar Safu? Não existe sequer um por cento de possibilidade de poder salvá-la?"

Nezumi olhou para Shion com uma mistura de indiferença fria e piedade.

"Você está no mesmo barco que eu," disse ele. "Eles têm todas as suas informações pessoais em arquivos. Diga, ficamos presos e fazem uma varredura em seus dados. Levaria nem um segundo para identificá-lo com o criminoso de primeira classe foragido. Se a sorte trabalhar a seu favor, você poderia ser enviado para uma cela solitária. Se não, você seria executado no local".

Rikiga irrompeu em um acesso de tosse. Inukashi puxou sua cadeira para trás com um grande grito.

"Criminoso fugitivo de primeira classe? Este menino bobo aqui? Espere um minuto, Nezumi. Eu não ouvi uma palavra sobre isso."

"Porque eu não te contei."

Ignorando Inukashi e o olhar extasiado de Rikiga, Shion persistiu com Nezumi. Tinha que haver alguma coisa. Em algum lugar, tinha que haver uma possibilidade. Mesmo que fosse menor que um por cento, mais fino que um fio de aranha, ele tinha que agarrá-la e arrastá-la em direção a ele. Desespero não era permitido.

"Se formos presos como prisioneiros, todo mundo seria identificado imediatamente? Não existe alguma maneira de evitar a identificação no tempo entre ficarmos presos até chegarmos à Safu?"

"Não", respondeu Nezumi. "Assim que sermos presos, eles puxarão todas as nossas informações pessoais, e examinarão seus arquivos. Eles não vão deixar uma única toupeira passar despercebida. Então nós teríamos um V-Chip implantados. Os prisioneiros são amarrados e colocados sob vigilância durante todo o tempo. Nós não vamos nem mesmo ter um segundo de livre circulação."

"Não há exceções?"

"Não há exceções. Nem uma única..."

Nezumi abruptamente engoliu suas palavras. Seu rosto congelou.

"Nezumi?"

Em seu silêncio repentino, Shion, Inukashi e Rikiga prenderam a respiração e, inconscientemente, prepararam seus ouvidos. A voz derramou em meio ao silêncio.

"Há sim."

"Hum?"

"Há apenas uma exceção."

Shion arregalou os olhos, e olhou fixamente para o perfil iluminado por velas de Nezumi. Os lábios de Nezumi se moveram.

"A Caça". Sua voz era rouca e muito baixa.

O corpo de Inukashi ficou tenso em sua cadeira. Rikiga tirou o olhar de Nezumi, e agarrou sua garrafa de licor.

"A Caça? O que é isso?" Shion olhou para os outros três rostos. Não houve resposta de nenhum deles. A escuridão na sala engrossou. Inukashi suspirou.

A noite se aproximava.

N° 6, brilhando em ouro, reinaria sobre a noite. Em um canto do Bloco Ocidental, em uma sala esculpida entre as ruínas, bem no fundo do abismo da noite, os quatro silenciosamente sentaram-se em torno de uma chama bruxuleante.

Ouviram o som do vento. Ele gemia como se chamasse alguém, como se em saudade. E a noite cobria tudo.

O vento assobiou. A chama estalou e se foi como se tivesse gastado a última de sua energia. O sussurro de Nezumi ecoou na escuridão. Não era mais rouca.

"A Caça... Essa é a única exceção."

 

Leia o capítulo 1 do volume 4

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Notas

  1. Traduzido do Inglês que foi traduzido do Japonês. Não foi possível encontrar uma fonte. [Voltar]

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