domingo, 4 de agosto de 2013

[Novel] No. 6 Volume 3 Capítulo 3

no.6 3

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Capítulo 3: Finisterra

Os seres humanos nasceram pelo olho de Ra. Ra foi o criador do céu, da terra, e de todas as coisas. Por ser o Sol, e também o soberano dos deuses, decidiu-se que ele se tornaria o primeiro rei na terra.
- Mito egípcio "O Começo do Céu e da Terra" [1]

 

Estava embaçado. Estava tudo velado em uma névoa, e vago.

Mas eu tenho que acordar...

Safu lutou para abrir os olhos. Ela mordeu o lábio tão forte quanto pôde. Doeu levemente. Ela pôde sentir suas sensações retornando.

Safu percebeu que ela estava presa a uma maca. Uma porta branca se abriu e ela foi levada para dentro. Em sua visão embaçada, ela não pôde decifrar o que tinha lá. Sentiu seu corpo deslizando para o lado.

"Ah, está acordada?" Era voz de um homem. "Não precisa estar, no entanto. Vamos dar-lhe um anestésico, podemos? Então você poderá dormir de novo em paz."

"Onde... estou..?"

"Quer tentar um palpite?"

O que há de errado comigo? O que aconteceu?... Eu visitei a casa de Shion, e então...

Havia um homem com o uniforme da Secretaria de Segurança.

'Você é a Safu-san?'

Um choque em seu pescoço. A dormência havia se espalhado pelo seu corpo.

Safu quase gritou em horror. Seus lábios se separaram, mas nenhum som saiu. A voz dela estava presa na parte de trás de sua garganta.

"Insti... tuição... Correcional... "

Uma gargalhada estridente ecoou. O homem estava rindo.

"Você gosta da Instituição Correcional? Parece que você tomou um gosto por ela. Eu sei, já que esta cirurgia é longa, você pode viver em sua própria suíte especial até que você morra. Vou arranjar tudo."

Cirurgia?

"Cirur..."

"Sim. Você está deitada em uma mesa cirúrgica." A voz do homem ainda estava cheia de alegria. Um brilho branco encheu a sua visão. Safu presumiu ser a luz de uma lâmpada cirúrgica. Ela foi envolvida com horror... Mais forte que o horror que a havia invadido quando fora apreendida pela Secretaria de Segurança.

Uma lágrima derramou de seu olho.

"Não precisa chorar. Não haverá nenhuma dor ou desconforto. Agora, boa noite."

Shion. Shion. Shion.
Este nome vai me proteger de todas as coisas más.

Ele vai me salvar.
Ele vai me resgatar, e me tirar daqui ― Shion.

"Shion".

Seu nome foi chamado. Seus pés pararam. Seu guarda, um grande cão, deu um rosnado baixo.

"Rikiga-san."

Rikiga saia por meio de uma frágil porta de vidro de um restaurante debilitado. Mesmo debilitado, era um dos estabelecimentos mais decentes no bazar do Bloco Ocidental. A maioria dos estabelecimentos deste tipo era aglomerada de barris e caixotes colocados para se sentar, e os pratos eram todos de uma origem não identificável. O fedor forte de bebida e de um misterioso ensopado flutuava para a rua, e Shion muitas vezes encontrava-se apertando o nariz. Mas, mesmo assim, crianças famintas e mendigos velhos circulavam pelas lojas, alguns vagando na esperança de receber alimentos, outros olhando fixamente para os adultos que levavam comida à boca. O proprietário de uma loja levantou a voz com raiva, jogando água para fora de sua loja, e afugentou o povo como se fossem cães ou gatos abandonados.

E à frente dessas pessoas que passavam fome, os que eram capazes de ter em suas mãos o sustento do dia afundavam seus dentes em sua comida, pingavam gordura sobre a boca, e lambiam os dedos.

Ter dinheiro, e ter poder.

Ter comida significava cumprir essas condições.

Shion tinha aprendido isso nesses poucos dias aqui. Mas ele ainda não podia se acostumar com isso. Ele não podia suportar olhar para a cena diante dele. Não havia alternativa, senão desviar seu olhar, e olhar para o chão.

"Se isso faz você se sentir melhor, então, dê a eles uma esmola. Mas só se você puder encher a barriga de cada pessoa ali", Nezumi havia dito. Para Shion no presente, isso era uma tarefa impossível.

"O que você pode fazer com a sua compaixão indecisa? Você pode ser capaz de salvar um punhado de crianças da fome, por um curto período de tempo. Mas isso apenas significa que você está criando dois novos tipos de pessoas: aqueles que estão morrendo de fome, e aqueles que não estão. Deixe-me te dizer uma coisa interessante, Shion. É mais insuportável para pessoas que já encheram a barriga morrer de fome, do que para as pessoas que nunca a encheram. Nada é mais duro do que a fome depois da saciedade. Estas crianças aqui nunca comeram até ficarem cheias. Elas não sabem o que é ficar satisfeito. É por isso que elas podem se acostumar com isso. Compreende? Não há nada que você possa fazer aqui, absolutamente nada."

Nezumi cuspiu essas palavras, e saiu da sala. Mas antes disso, ele tinha parado bruscamente em frente à porta e se virou. Um cão marrom estava deitado de lado.

"Então Inukashi emprestou este cão para você como seu guarda-costas, hein? E eu soube que seu salário está um pouco mais nivelado do que o habitual. Parece que você se tornou o predileto dele."

"Ele disse que vai me deixar continuar a trabalhar para ele. Ele me pediu para limpar os quartos de hóspedes e cuidar dos cães."

"E você aceitou o trabalho?"

"É claro", Shion respondeu entusiasticamente. "Eu fiquei tão feliz, agradeci-lhe de novo e de novo."

Nezumi zombou.

"Olhe só para isso. O Sr. Elite da N° 6 está se alegrando por um trabalho de faxineiro e cuidador de cães. Deve ser interessante ver o quanto você vai se vergar."

"Eu não acho que eu estou me vergando," Shion disse prontamente. "Você concorda, não? Você não acha que eu estou ficando torto, apesar de tudo."

O rosto de Nezumi se contorceu um pouco. Ele encolheu os ombros.

"Ah, sim, Shion. Você foi pago por Inukashi hoje, não foi? Saia e compre um pouco de carne seca e pão."

"No mercado?"

"Você não sabe de nenhum outro lugar para comprar comida, sabe?" Nezumi disse sarcasticamente.

"Bem... sim, mas..."

"Carne seca e pão. Inspecione cuidadosamente quando derem a você. Se distrair, como você costuma fazer, receberá um tijolo de um pão bolorento. E pechinche. Pechinche como se não houvesse amanhã. Estou saindo."

A porta se fechou, e seus passos desapareceram longínquos.

Ele teria de comprar carne seca e pão na frente daquelas crianças.

Nezumi havia dito a ele para fazer isso.

Carne seca e pão.

O estômago de Shion rosnou insistentemente. Sua boca encheu de água. Ele tinha tido apenas uma fatia de pão e frutas que Inukashi lhe havia dado ao meio-dia, estava terrivelmente faminto. Ele não tinha comido carne nem pão macio fazia dias.

Seu estômago rosnou, sua boca aguou.

Ele queria comer. Ele queria saciar o estômago vazio.

Shion suspirou e puxou seu chapéu mais para baixo sobre sua cabeça.

O que você pode fazer com a sua compaixão indecisa?

Ele recordou as palavras de Nezumi de novo e de novo.

Você está certo. Eu não posso fazer nada. Eu só estou fingindo ter pena daquelas crianças para aumentar a minha autoestima. A verdade é que eu estou prestes a comprar carne e pão, bem na frente das crianças, para satisfazer a minha própria fome. Essa é a minha verdadeira forma ― esse é o tipo de pessoa que eu sou. Nezumi, é isso o que você quis dizer?

Havia algumas moedas no bolso que ele havia recebido de Inukashi. Fora seu dia de pagamento.

"Parte disso é um agradecimento por tratar do meu irmão. Nem sempre posso pagar tanto". Inukashi tinha dito isso um tanto secamente, mas Shion estava grato por sua bondade. Pode ter sido uma quantidade meio grande para um dia inteiro de trabalho. Mas, mesmo assim, era o suficiente para cobrir apenas algumas tiras de carne seca e duas ou três fatias de pão bolorento. Não havia quase nenhuma comida deixada no lugar, caso contrário, estaria enterrada em livros. Ele não seria capaz de viver sob a bondade de Nezumi para sempre. Ele tinha de garantir um meio de se sustentar, por pouco que fosse.

Shion abriu a porta e saiu. O cão lentamente se levantou, e se arrastou atrás dele. Quando Shion pôs o pé na rua do mercado, o cão foi para o lado de Shion e acompanhou-o de perto. Ele fora bem treinado. Era evidente que Inukashi tinha bastante controle de seus cães. Shion sorriu timidamente quando ele pegou a si mesmo, mais uma vez, sendo surpreendido ou impressionado como com tantas outras coisas desde que veio para o Bloco Ocidental.

Já estava anoitecendo. A escuridão estava se estabelecendo, e os murmúrios e berros de vozes ecoavam cada vez mais alto no ar. Sob tendas rasgadas, na frente de barracos, as pessoas vendiam e compravam coisas, comiam e bebiam. Assim que o calor da tarde caia abaixo do horizonte, o chão abaixo deles ficava mais frio a cada minuto. O negócio provavelmente estava crescendo no hotel de Inukashi. Para quem não tinha nada quente para dormir, ia ser uma noite desagradável. Mulheres de seios nus chamavam da escuridão dos becos, e as mulheres velhas vestidas em trapos se amontoavam no chão na mesma escuridão. Crianças surgiam, agilmente se enfiando no meio da multidão, e ocasionalmente ganhavam broncas. E as pessoas ainda compravam e vendiam, comiam e bebiam.

Não sei o que me espera amanhã. Mas pelo menos até hoje vivi.
Então, eu vou comer.
Então, eu vou beber. Neste lugar, isso é tudo o que temos.
Todas as coisas que eu disse, não poderei desfrutar quando eu tiver morto

Então, eu tô vivo e aproveitando hoje.

Isso é tudo.
Aqui, é tudo. Meu tudo.

Alguém estava cantando fora do tom. Shion parou, e inclinou o ouvido à voz. Ele abraçou a parcela de carne seca e pão que ele tinha acabado de comprar. Este clamor que parecia correr por ele e dominá-lo... Este clamor, esta confusão de ruídos que parecia estourar da terra por si mesma...

Estava tudo ligado a aqueles que tinham um forte apego à vida, e a energia que eles irradiavam. Aqui, todo mundo se agarrava à vida rápido. Eles avidamente apegavam à sobrevivência. Porque nada assegurava um amanhã para eles, estas pessoas viviam com ainda mais desespero. Esta energia, este clamor. Era algo que não existia, não era permitida a existir, na Nº 6.

Que tipo de sentimentos Nezumi tinha quando andava por estas ruas?

"Irmão".

Uma voz fraca chamou por ele. Ele se virou para ver uma criança magra com vestes desbotadas. Ele tinha cabelos longos e emaranhados, e um rosto sujo. Shion não podia dizer se era um menino ou uma menina.

"Poupe um pouco de pão para mim", implorou a criança sem forças, com uma voz que era quase um sussurro. "Eu não tenho comido por três dias. Por favor, apenas um pedaço."

O semblante da criança lembrou o de uma menina que ele se dava bem na Cidade Perdida. O nome dela era Lili.

"Um pedacinho..."

Um par de mãos pequenas se esticou em direção a ele. Quase que sem pensar, Shion estava colocando a mão em seu pacote. Assim que ele tirou um rolo, um impacto bateu em suas costas. Ele havia sido empurrado. Cambaleou. Quando Shion perdeu o equilíbrio, um par de mãos pequenas arrebatou o pacote dos braços de Shion. Ao mesmo tempo, ele foi empurrado violentamente pelas costas mais uma vez e caiu de joelhos.

"Corra!"

A criança gritou energicamente, quase que irreconhecível ao sussurro de momentos antes. Várias crianças gritaram logo após enquanto eles roubavam Shion. O cão saltou a frente de forma rápida e silenciosamente. Ele atacou a criança que havia roubado o pacote. Gritos saíram do grupo.

Ainda abraçando o pacote de pão e carne seca com ambas as mãos, a criança caiu no chão. Algumas tiras de carne e um pedaço de pão caíram e se espalharam pelo chão. O cão prendeu a criança no chão com as patas e mostrou os dentes.

"Pare com isso! Fica!" Shion tinha gritado sem pensar. O cachorro obedeceu, fechou a boca, e olhou para Shion o censurando. A criança não perdeu a sua chance. Ele se levantou, e partiu acelerado com o pacote em seus braços. Ele se moveu com a rapidez e agilidade de um animal selvagem. Em poucos momentos, suas costas pequenas tinham desaparecido na multidão. As outras crianças também se misturaram à multidão, fora da vista.

"Incrível..."

Shion não pôde deixar de murmurar aos seus modos espertos. É verdade, ele ficou impressionado. Logo percebeu que não era o momento de se impressionar, e se inclinou para recolher o que restou de sua carne e de seu pão. O que Nezumi diria, depois de ver isso reduzido a quase um terço de seu valor original? Será que ele não diria nada e encolheria os ombros? Será que ele zombaria?

Shion tirou o casaco e envolveu o pão e a carne com ele. Ele iria compartilhar isso com Nezumi para o jantar hoje à noite. Essas crianças provavelmente iriam fazer o mesmo. Eles compartilhariam entre si, e cada um teria um pedaço minúsculo de comida para o jantar. Simpatia ingênua e sem sentido. Ele sabia que Nezumi o criticaria severamente, mas Shion ainda estava um pouco aliviado.

Pelo menos esta noite, essas crianças teriam comida. Agora, ele não tinha como libertá-los da fome. Ele não podia fazer nada. Mas se a sua carne e pão iriam afastar seus estômagos vazios, mesmo que por um curto período de tempo... não era pelo menos um pouco significativo? Era aceitável desistir porque ele era incapaz de fazer qualquer coisa. Era aceitável, mas era arrogante. Será que você não pensa assim, Nezumi?

"Ei, você aí, cara."

A partir de uma barraca vendendo kebabs [espécie de espetinhos] assados, a lojista o chamava com a sua voz rouca. "Tu para na frente da minha loja feito tonto? Tu é um incômodo, tá. Interrompendo o negócio!"

"Ah, me desculpe", Shion curvou a cabeça às pressas em pedido de desculpas, mas a dona da loja já estava ocupada com outros clientes para notá-lo. Aqui, ninguém se importava com outros estranhos. Eles simplesmente não estavam interessados. Se há roubo na rua, ou um mendigo morrendo, ou uma luta começando, ninguém se importava. Tudo se misturava com o cenário de ocorrências diárias.

"Bem, vamos para casa, então," Shion chamou o cão e notou suas mandíbulas mastigando algo.

"Ei, espere um minuto, não me diga que você está..."

O cão engoliu a carne em sua boca, e olhou para ele com um brilho de um sorriso.

"Quando você conseguiu pegar essa carne? Muito mais rápido do que eu, hein."

O cão pendeu sua língua rosa, lambeu os beiços, e começou a trotar bruscamente à sua frente. Shion estava se divertindo, embora ele não tivesse certeza do porquê.

Ele vinha seguindo o cão por algum tempo quando foi parado por Rikiga. Externamente, o trabalho de Rikiga era publicar revistas lascivas para adultos. Mas, nos bastidores, atuava como um intermediário para a prostituição, o que era o seu sustento. Entre seus clientes disse que haviam funcionários mais elevados da Nº 6 também. Nas palavras de Nezumi, foi a partir desses tipos de pessoas que Rikiga astuciosamente juntou grandes quantidades de dinheiro.

Mas ele também era o homem que Karan, mãe de Shion, disse-lhe para ir pedir ajuda. De acordo com Rikiga, há muito tempo atrás, antes da Nº 6 e do Bloco Ocidental terem sido divididos com uma parede de metais especiais, ele conheceu e se apaixonou por Karan. Mas foi apenas ele quem tinha se apaixonado, Karan tinha apenas mostrado uma concordância com os artigos que Rikiga havia escrito como jornalista na época.

"Ele é um exemplo primordial de um homem corrompido." Estas também foram palavras de Nezumi, mas Shion descobriu que gostava da aura um pouco distante e sem medo do homem que um dia amou sua mãe. Este homem não era completamente corrompido. Ele ainda tinha o jornalismo em seus ossos. Isso era o que Shion sentia.

O rosto de Rikiga estava vermelho-beterraba pela embriaguez, e até mesmo seus olhos estavam vermelhos. Parecia que ele tinha bebido um pouco.

"Rikiga-san, será ruim para a sua saúde se você não afastar um pouco o álcool."

"Você é tão gentil Shion. Sinto como se fosse uma repreensão de Karan para mim. Ela estava dizendo para mim outro dia, 'Por favor, Rikiga, cuide da sua saúde'."

"Outro dia? Minha mãe?"

"No meu sonho. Desde que eu te vi, Karan começou a aparecer nos meus sonhos. E cada vez que eu a vejo, ela me repreende. Não beba, não seja leviano, não perca de vista como o seu trabalho realmente deve ser."

Um rubor que não era do álcool subiu nas bochechas de Rikiga. Ele virou o rosto, como se para evitar o olhar de Shion.

"Bem, um sonho é apenas um sonho. Karan seguiu em frente, fez um filho admirável como você. Eu tenho certeza que ela mudou de quando ela era mais jovem... Na aparência, e no coração também."

"Ela está envelhecida", Shion admitiu. "E ela ficou um pouco gorda. Mas, se ela fosse te ver de novo, Rikiga-san, eu tenho certeza de que ela diria a mesma coisa que ela disse para você no seu sonho. Esse é o tipo de pessoa que ela é."

Rikiga abriu a boca para dizer alguma coisa, e então apertou os lábios.

"Tudo isso sobre Karan... é... está tudo bem. Para dizer a verdade, é um pouco doloroso lembrar..." Ele parou abruptamente antes de mudar de assunto. "Então, você está sozinho hoje?"

"Estou com o cão."

"Esse que está olhando para mim desconfiado? Você não gostaria de me morder, vira-lata. Só para você saber, a minha carne é embebida em álcool, e está correndo em minhas veias. Afunde seus dentes nisso, e você vai à falência envenenado por álcool."

O cão olhou para o homem embriagado, contraiu o nariz com desdém, e fez uma careta. Shion olhou para baixo e sorriu para si mesmo.

"Qual é o seu problema?" Rikiga resmungou para o cachorro. "Então, ninguém mais com você hoje além do cachorro?"

"Você está falando de Nezumi?"

"É. Aquele ator espertinho-sarcástico. Nossa, eu não acho que eu já conheci alguém tão boca-suja como ele."

"Mas você era fã dele, certo?"

"Eu apenas não sabia a sua verdadeira identidade, isso é tudo. Quer dizer, Eve é muito cativante no palco. Eu nunca teria imaginado que ele fosse um idiota mal-educado. O garoto sai por aí dizendo o que quer, quando quer. Difícil imaginar como um rosto bonito como aquele pode ser tão ousado e brutal. Inacreditável, estou dizendo."

"Nezumi apenas diz a verdade."

Não importa o quão duras ou cruéis fossem suas palavras, elas nunca levavam uma mentira. Por isso que elas se tornavam lâminas e lanças que perfuravam o peito de Shion, e deixavam uma dor que ele não poderia esquecer. Era uma dor que ele nunca teria conhecido se não tivesse conhecido Nezumi. Toda vez que as incontáveis dores ​​agitavam inquietas no fundo de seu peito, Shion sentia algo em si mesmo mudando pouco a pouco. Uma parte desmoronava, enquanto outra parte reconstruía-se, e ainda outra parte nascia de novo. Cada palavra de Nezumi, e a dor que o acompanhava levava Shion a mudar, e o mantinha levando para frente. Shion poderia sentir-se vividamente sendo alterado e moldado pela força do outro.

"Você sabe, Shion. Se ficar muito insuportável, você pode ficar mais comigo", disse Rikiga enquanto caminhavam lado a lado. Sua respiração bateu na bochecha de Shion, e cheirava a álcool.

"Insuportável? O que você quer dizer?"

"Não, eu entendo", Rikiga disse abruptamente. "Você não tem que esconder isso. Eu não posso imaginar como não seria insuportável viver com Eve. Estou presumindo que suas condições de vida são menos do que o padrão. Você está recebendo o suficiente para comer? Agora, eu acho isso altamente improvável, mas se em caso de alguma desagradável mudança de eventos, você for influenciado por Eve e sua personalidade ficar tão retorcida quanto a dele... hm", ele resmungou para si mesmo. "É verdade. Não há como eu deixar que isso aconteça com o filho de Karan. Venha viver na minha casa. Vou te dar o de comer, e uma cama quente para dormir"

"Não, está tudo bem. Estou bem."

"Mas Karan mandou você vir me pedir ajuda, certo?"

"Sim, mas eu não quero ser um fardo para você, Rikiga-san", Shion insistiu. "Eu estou bem. Eu consegui até agora, e eu vou continuar conseguindo. E eu realmente gosto de ficar perto de Nezumi".

"Não há como você gostar de estar perto de um bunda como ele. Você não tem que fazer uma cara de corajoso. Você está tendo um momento difícil, não é? Olha, você não está nem mesmo usando um suéter. Pobrezinho".

"Ah, não, eu estou usando o meu suéter para enrolar a minha carne e meu pão..."

Mas Rikiga não estava ouvindo a resposta de Shion. Ele estava olhando em volta, e assentindo fervorosamente para si mesmo.

"Eu conheço uma boa loja. Vamos lá." Ele puxou Shion pelo braço, e entrou em uma loja que estava forrada com uma enorme quantidade de roupas. Parecia uma loja de roupas usadas e havia, ainda, roupas penduradas no teto. As roupas variavam de boas-vestimentas para quase novas.

"Dia." Uma mulher quase tão grande quanto a lojista da barraquinha de kebab se materializou das sombras de uma montanha de roupas. Assim que ela percebeu que era seu cliente Rikiga, ela colou um sorriso brilhante de negócio em seu rosto.

"Whah, Sr. Rikiga. Bom te ver de novo", ela demorou. "Se tu tá procurando um vestido para dar pra alguém, temos alguns muito bons, ô se temos. Um deles deixaria ela feliz da vida, sim senhor."

"Não, eu não estou procurando por roupas femininas hoje", respondeu Rikiga. "Você pode encontrar algo aquecido que iria ficar legal neste menino aqui?"

Os olhos da mulher se estreitaram e o seu olhar passou por Shion da cabeça aos pés.

"Whah, que adorável cavalheiro temos aqui", disse ela apreciativa. "E nóss, que cabelo foor-midável. Tá em moda entre os jovens de hoje em dia?"

Shion levantou o seu chapéu de lã para mais longe de seus olhos. Seu cabelo branco brilhante se destacou, mesmo na escuridão ofuscante da loja. Quando a vespa parasita tinha eclodido dentro dele, como um preço para a sua sobrevivência ou por algum tipo de efeito colateral, o cabelo de Shion teve sua cor drenada em uma única noite, e uma cicatriz vermelha tinha aparecido em sua pele, serpenteando o seu caminho de sua perna até seu pescoço. Ele poderia esconder a cicatriz com roupas, mas o cabelo não era tão fácil. Seu cabelo de neve e seu rosto jovem eram uma combinação incomum, e atraía olhares por onde passava. No Bloco Ocidental, não era particularmente incomum os jovens serem carecas ou terem o cabelo grisalho por causa da desnutrição. Havia muitas crianças que tinham o cabelo salpicado com branco que deveria ser mais comum àqueles que entram em seus últimos anos. Mas aqueles como Shion, cujo cada fio de cabelo era um branco puro e brilhante, era uma raridade.

"É mais transparente do que branco, eu diria. Acho que parece muito mais bonito do que antes, para dizer a verdade." Nezumi havia dito, ao tocar o cabelo com as pontas dos dedos.

"El’é seu garoto? Realmente não parece, eu diria," a mulher observava, seu sorriso artificial ainda estava grudado em seu rosto enquanto ela olhava para Shion. Ele sentiu como se estivesse sendo avaliado. Era um pouco desconfortável.

"Rikiga-san, hum, eu realmente não preciso de nenhuma roupa de inverno, podemos simplesmente..."

"Bobagem", Rikiga interrompeu. "Os invernos aqui são duros. Você tem carne apenas o suficiente sobre esses ossos para deixar você dentro dela. Você precisa de algumas boas roupas quentes para afastar o frio. Tá?" ele disse impaciente para a lojista. "Você vai procurar alguma roupa ou não? Se você não for, eu vou negociar em outro lugar."

Sob o olhar penetrante de Rikiga, a mulher se pôs apressadamente em movimento.

"Whah, claro que vou. Na verdade acabamos de receber um carregamento. Nestante". Atrás de uma cortina suja, a mulher encheu os braços de roupas.

"T’aqui. Escolha qualquer um que tu gostar. São todas de xcelente qualidade".

Shion tinha suas dúvidas sobre se elas eram de xcelente qualidade ou não, mas havia, certamente, uma grande variedade de peças de vestuário. Havia sobretudos, casacos, suéteres, xales pesados ​​e jaquetas esportivas de todos os tamanhos, materiais e cores, todos em um grande amontoado.

"Acho que você só tem que olhar para o lugar certo", Shion murmurou para si mesmo. Aqui tinha uma grande quantidade de roupas, no final da rua havia pessoas vestidas em trapos, tremendo de frio. Mesmo em um lugar extremamente pobre como o Bloco Ocidental, ainda havia uma divisão rígida entre os pobres e privilegiados.

"Shion, você não precisa ser modesto. Escolha qualquer coisa que chame a sua atenção."

"Mas Rikiga-san, não há nenhuma razão para você ser tão bom para mim"

"Não se preocupe com isso. Você é o filho de Karan... e para mim, é como se você fosse o meu filho também. Pense nisso como uma espécie de deleite de seu pai."

Shion piscou, e olhou para o rosto corado de Rikiga. Parecia que a bebida tinha acabado com algumas de suas inibições, o que ele estava dizendo agora era provavelmente como ele realmente se sentia. Talvez Rikiga tenha vivido sozinho durante todo esse tempo no Bloco Ocidental, sem família. E agora, ele estivesse tentando reencenar o tipo de vida familiar que ele nunca teve, com o filho de uma mulher que ele havia amado. Liberdade e solidão. Ele teve a astúcia que o levou ter sucesso no negócio subterrâneo com os funcionários da Nº 6 como seus patronos, mas ele tinha a fragilidade de alguém que havia se cansado de viver muito tempo na solidão.

Os seres humanos eram complexos. Eles alojavam em si ambos a resiliência e a fragilidade; ying e yang, luz e sombra; sagrado e pecado. Esta é a verdadeira forma de um ser humano que Shion nunca teria sido capaz de mapear pelo vasto mar de conhecimento que ele tinha adquirido na No. 6.

O que ele sabia do corpo humano - cerca de 32.000 genes, aproximadamente 100 mil tipos diferentes de proteínas, 300 milhões de sequências de bases de DNA; os neurônios; fibras de colágeno; macrófagos, a estrutura em camadas de músculos; o volume de sangue em circulação - ele não achava nada disso um desperdício. Ele não pensava assim. Mas compreender o ser humano é uma dimensão totalmente diferente. Era impossível compreender qualquer coisa sobre a complexidade ou a verdadeira forma de um ser vivo a partir de um conhecimento sistemático ou de informações que pudessem ser convertidas em números.

Era algo que Shion tinha aprendido em seus dias de vivência com Nezumi neste lugar.

"Bem, nesse caso, eu acho que eu vou escolher livremente."

"Isso mesmo", disse Rikiga jovialmente. "Qual você quer? Encontrou alguma coisa que você gosta?"

Shion tirou um casaco escuro e pesado.

"Eu vou pegar este. Parece quente."

"Tem certeza de que quer algo maçante assim? Tudo bem, então escolha um suéter chamativo. Você é jovem, ficaria melhor em cores brilhantes."

"Não, realmente..." Shion protestou: "Eu não preciso de muito."

"Bobagem. O casaco por si só não vai mantê-lo quente o suficiente."

"Eu diria isso tamém, senhor", a mulher entrou na conversa "Nossos suéteres são muitos quentes, olha só. Por que tu não veste uns?"

A mulher confiantemente puxou um suéter para fora da pilha. A montanha de roupas entrou em colapso, e derramou em uma avalanche sobre o chão.

"Ah, cara. Bom, peço desculpa..."

Rikiga estalou a língua em aborrecimento.

"O que você está fazendo?" disse ele, irritado. "Agora não podemos nem mesmo escolher nesta bagunça. Ridículo, hein, Shion." Ele fez uma pausa. "Shion... o que há de errado?"

Embora Rikiga tenha falado ao lado dele, suas palavras não chegaram aos ouvidos de Shion. Seu olhar estava colado ao que tinha aparecido sob as roupas espalhadas. Todos os sons e cores desapareceram de sua volta, e só uma coisa se levantou em sua visão.

Era um casaco meio cinza.

A cor suave com um toque de azul, a sua evidente qualidade premium ao toque, os botões grandes nos punhos das mangas... Ele já havia visto antes.

"Este é..." Sua mão tremia quando ele agarrou o casaco. Havia um rasgo no ombro que tinha sido costurado grosseiramente com linha preta. Também um botão faltando, que parecia ter sido arrancado. Suas mãos tremiam violentamente. Ele queria que elas parassem, mas não pararam.

"Isto chamou tu’atenção? Ah, mas issé um casaco pra garotas, olha só. Da melior qualidade, é claro... Mas pó ser um pouco desconfortável em ti, senhor. Eu não acho que vai caber. O último casaco, o preto, ficaria muito mais..."

"Aonde você..."

"Como?"

"Eu estou perguntando aonde você conseguiu isso!" Ele estava gritando. Ele não tinha intenção de intimidar a mulher, mas ela ergueu as sobrancelhas em surpresa, e deu um passo para trás.

"Este casaco... de onde... de onde você tirou isso?"

"Shion!"

Rikiga fechou a mão sobre o ombro de Shion por trás. "O que há de errado? Pra que você está ficando tão agitado? O que há de errado com o casaco?"

Shion engoliu em seco, e apertou o casaco nas mãos.

"Isto pertence a Safu".

"Safu? Quem é essa?"

"Minha amiga. Minha... muito preciosa..."

"Amiga? Você quer dizer, de quando você ainda estava dentro da cidade?"

"Sim".

"Você tem certeza de que não é um erro? Deve haver dezenas de casacos que se parecem com esse."

Shion rangeu os dentes na esperança de parar o tremor em seus dedos, e balançou a cabeça de um lado para o outro.

Não era um engano. Este era o casaco de Safu. Tinha sido um presente de sua única parente de sangue, sua avó, e até mesmo para um garoto como Shion, ele poderia dizer que era uma peça elegante que complementava o rosto bem-definido de Safu.

"Sua avó realmente deve te conhecer bem, Safu. Ela sempre escolhe as coisas que ficam melhores em você", ele disse.

"Sim, acho que sim. Quero dizer, ela me criou por toda a minha vida, afinal. Ei, Shion... se você fosse me dar um casaco, que tipo você me daria?"

"O que? Sinto muito, mas com o meu salário eu nunca vou poder ter um casaco tão agradável como esse."

"Eu estou apenas dizendo, "se"? Eu quero saber o que você escolheria."

"Hmm, pergunta difícil."

"Então, pense bem. Resolver questões difíceis é o que você gosta, não é?"

No ano passado, eles haviam andado no inverno tendo esse tipo de conversa. Os raios do sol de inverno tramitavam através dos ramos nus e brilhavam sobre Safu, fazendo o seu casaco brilhar fracamente. Essa foi a primeira vez que ele havia pensado que sua amiga de infância estava linda. O sol de inverno, o sorriso ardente, o casaco cinza. Era de Safu. Ele tinha certeza disso.

Por que... O que isto esta fazendo aqui? Por que, por que, por que...

"Por quê?" Shion pressionou urgentemente. "Onde e como você conseguiu esse casaco? Diga-me, por favor. Anda logo".

"Shion, acalme-se." Rikiga saiu na frente de Shion, e bloqueou o caminho da mulher. "Então, por qual rota isso veio? Será que ele veio da Nº 6, ou..."

O rosto da mulher se limpou de seu sorriso de plástico. Em vez disso, ele estava com uma suspeita ousada e desdenhosa.

"Whah, nunca. Aqui estou eu, sendo educada pr’ocê, Sr. Rikiga, e o qu’eu recebe em troca? É da sua conta ond’eu pego mias coisas? Ou o que... tentando encontrar todos defeitos que tu puder nos meus bens, e levar barato, suponho? Isto não é uma brincadeira, não, isto não é não. Não tô rindo nem um pouco."

"Por que diabos eu estaria querendo fazer você rir?" Rikiga estalou a língua. "Posso garantir que a chance disso acontecer é menor que um fio de cabelo da minha cabeça. Porque você não fala? Por que você está sendo tão cautelosa? Se é arriscado, é, mas de onde você está recebendo essas coisas?"

A mulher abriu a boca e soltou uma torrente de reclamações indignadas.

"Iss’é suficiente. Vou te deixar claro qu’eu tem um negócio decente com estas peças. Se você tem algo pra reclamar, você pó se dirigir pra porta. Dá o fora. Vá para casa!"

Antes que ela pudesse terminar, Rikiga tinha torcido o braço dela atrás das costas, e a colocou sobre o balcão.

"O que diabos tu tá fazendo? Seu bastardozinho estúpido!"

"Se você não quer seu braço quebrado, é melhor desembuchar", Rikiga disse sombriamente. "Como você conseguiu esse casaco?"

"Eu peguei na usina de eliminação de resíduos da Nº 6. Peguei porque tava flutuando no esgoto. Iss’é tudo, misericórdia, Jesus!" Ela fez uma careta de dor.

"Há um esgoto saindo daquele lugar? Não sei se eu já ouvi algo sobre isso."

"É o qu’eu tô dizendo, foi há muito tempo... iss’importa, de verdade? Eles jogaram isso fora porque era lixo, eu sô livre para fazer o que quiser com isso. Não é da conta de ninguém, nem sua especialmente."

"Você está mentindo!" Shion gritou. "É mentira! Este casaco era importante para Safu. Ela jamais jogaria fora!"

"Para que esse barulho todo?" Uma porta na parte de trás da loja abriu, e um homem entrou, ele era um gigante - pelo menos dois metros de altura. Parecia que ele pesava pelo menos cem quilos. Sua cabeça era completamente careca, e o seu rosto era estranhamente torcido. Apesar da temporada, ele só estava vestido com uma camiseta de manga curta. Tatuagens de um escorpião e um crânio decoravam seus braços grossos.

"Tu voltou, e bem na hora. Tu vai chutar esses dois pra fora daqui?" A mulher sorriu com desprezo, enquanto continuava sendo presa por Rikiga. "Vou te deixar claro que meu marido tem músculos poderosamente fortes naqueles braços. Pode quebrar um pescoço ou dois antes do café da manhã. Eu me daria o fora daqui se fosse vocês, antes que acabe morto."

Rikiga soltou a mulher, e deu de ombros casualmente.

"Ora?" disse a mulher, impaciente. "O que tu tá esperando? Bata neles té mal conseguirem ficar em pé, vá em frente."

O homem permaneceu em silêncio. Então, sem dizer uma única palavra, ele abaixou a cabeça.

"Quanto tempo, Conk", disse Rikiga momentaneamente. "Não sabia que você tinha se estabelecido. Então você é marido de uma comerciante de roupas agora, hein?"

"Casei há um mês", o homem murmurou.

"Ora, ora. Parabéns. Poderá ser gentil e perguntar à sua linda esposa, onde ela conseguiu esse casaco? Ela tem muitos nervos, a sua mulher. Estamos tendo um momento difícil para conseguir a verdade."

O homem a quem o Rikiga chamou de Conk olhou fixamente para o casaco nas mãos de Shion, e virou-se para a mulher.

"Diga a verdade para o Rikiga-san."

"Quê, que deu em tu tão de repente? Por que tu tem que ouvir eles?"

"Rikiga-san foi bom para mim há muito tempo. Se apresse. Diga logo."

Sob o olhar ameaçador de Conk, o rosto da mulher se retorceu em uma careta. Ainda carrancuda, ela virou o rosto ofensivamente.

"Eu só comprei d’um intermediário. Eu não sei d’onde ele deve ter conseguido."

Rikiga estalou a língua.

"Mentirosa. Não há como você não saber de onde veio a sua mercadoria."

"Eu não sei o que eu não sei", a mulher disse teimosamente. "De jeito nenhum eu saberia."

Rikiga colocou outra pergunta enquanto restringia Conk, que havia dado um passo para a frente com o punho fechado.

"Então me diga quem é intermediário", disse ele. "Eu poderei descobrir o resto."

A mulher não respondeu. Rikiga pegou algumas notas do bolso, colocou na mão da mulher, e fechou os dedos dela em torno do dinheiro.

"Você estava falando com você mesma, e deixou escapar o nome do intermediário. Apenas aconteceu da gente ouvir. Nós vamos manter assim. Não vai lhe causar problemas."

A mulher olhou para as notas na mão, e com o rosto ainda virado para o lado, resmungou uma resposta.

"É o guarda-cão. Um estranho miúdo que usa cães para fazer negócios."

O cão que estava enrolado aos pés de Shion levantou seus ouvidos. Rikiga deu um rosnado baixo.

"Inukashi, hein. Então ele deve ter vindo da Instituição Correcional".

"Instituição Correcional?" Shion repetiu em descrença.

"Sim", disse Rikiga. "Eu ouvi que o garoto passa pertences de prisioneiros para ao mercado subterrâneo".

O coração de Shion parou. Ou, pelo menos, parecia que tinha parado. Ele não conseguia respirar. Houve um zumbido maçante em seus ouvidos.

Instituição Correcional, prisioneiros, Instituição Correcional, prisioneiros, Instituição Correcional...

"Então Safu... ela está dentro da Instituição Correcional?"

"Provavelmente", respondeu Rikiga pesadamente. "E provavelmente ela não foi lá cordialmente como convidada, também. Ela provavelmente foi levada em custódia, tratada como uma prisioneira, sem dúvida."

Shion se disparou para fora da loja com o casaco cinza em seus braços.

Ele tinha que ver Inukashi imediatamente. Ele tinha que saber a verdade dele.

"Shion!"

Atrás dele, o grito de Rikiga se espalhou pelo vento e se dispersou em vão para o ar.

* * *

O homem estava andando estranhamente, e foi assim por algum tempo. Ele tropeçou nos pés vacilantes, como se estivesse bêbado.

Doze anos de idade, Juse inclinou a cabeça em perplexidade quando desmontou de sua bicicleta. Para a esquerda, ele podia ver o prédio onde ele e a sua família vivia. Ele estava em uma esquina de um parque, um dos muitos que pontilhava a área residencial. Embora não fosse tão grande como o Parque Florestal, era, no entanto, um recanto pacífico abundante em vegetação. Juse empurrou sua bicicleta ― uma bicicleta que ele tinha ganhado de seu pai por este décimo segundo aniversário ― e seguiu o homem com o seu olhar. Era inevitável ficar preocupado; ele não poderia simplesmente deixar o homem lá. Sua mãe estava sempre lamentando este hábito dele. 'Não se envolva nas coisas de outras pessoas', ela diria. 'Você parece querer meter o nariz em tudo, Juse. Eu me pergunto se você puxou isso de seu avô.' Mas se ele pegou isso de seu avô, para Juse seria a melhor coisa que ele poderia pedir. Ele sempre pensava assim em seu coração.

Juse amava o seu avô. Quando Juse ainda era jovem, seu avô, que fora um marinheiro, sempre sentava Juse em seu colo e lhe contava histórias. Ele falava sobre o mar, que Juse nunca tinha visto antes, de grandes baleias brancas que eram tão grandes como montanhas; terras que eram cobertas durante todo o ano em neve e gelo; bandos de dezenas de milhares de borboletas que fluíam pelo céu em uma grande massa; gigantes que vivam acima das nuvens; criaturas misteriosas que viviam nas profundezas do mar; fadas; magia; antigas guerras dos deuses - sua mãe odiava isso, mas houve um momento na vida de Juse quando ele se tornou completamente absorto nas histórias que seu avô lhe contava.

Ele cresceu, e não muito tempo depois ele começou a frequentar uma instituição selecionada pela Secretaria da Educação, ele recebeu uma advertência formal do instrutor dizendo que ele tinha tendências delirantes. Foi-lhe dito que isso era preocupante para o seu futuro. Sua mãe começou a chorar, e seu pai cambaleou com o golpe. Juse foi transmitido para o Programa Especial e recebeu instrução especial durante um ano inteiro. Isso foi mandatado para ele, e ele não tinha opção. Todos os livros antigos que tinha tomado emprestado das prateleiras de seu avô foram eliminados. E alguns meses depois, seu avô desapareceu completamente. Ele tinha sido levado para a Casa Crepúsculo. Juse sempre ouviu das pessoas que era a melhor coisa que qualquer pessoa idosa poderia pedir, mas ele chorou na cama por muitas noites de solidão por nunca poder ver seu avô novamente. E nas noites em que ele chorava até dormir, ele sempre sonhava com as histórias que seu avô costumava lhe contar.

Um ano depois, Juse tinha parado de falar sobre grandes baleias brancas, ou sobre fadas com asas transparentes. Os adultos suspiraram de alívio. Mas nas profundezas da alma do menino, as histórias permaneciam secretamente vivas, e respiravam dentro dele. Ele nunca seria capaz de lavá-las. Talvez fosse por isso que ele ainda se encontrava preocupado com outras pessoas, até agora. Ele não podia fazer outra coisa, senão perguntar, o que essa pessoa está fazendo? O que ele está sentindo? Mas ele também tinha adquirido o bom senso de não dizer isso em voz alta.

"Ah!" Juse gritou em voz baixa. O homem tinha caído ao pé de uma faia. O homem gemeu de dor. Juse deixou a sua bicicleta e correu para o lado do homem. Ele pensou ter visto algo preto voar para longe do homem, que estava deitado de bruços. Juse não teve tempo para verificar. O corpo do homem tinha começado a convulsionar, mas logo ficou imóvel.

"Hum... senhor..."

Juse o chamou hesitante. Ele olhou para o rosto do homem. No momento seguinte, Juse estava gritando.

Leia o capítulo 4.

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Notas

  1. Traduzido do Inglês que foi traduzido do Japonês. Não foi possível encontrar uma fonte. [Voltar]

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1 comentários:

Anally-Chan disse...

Tem um tempão que eu não comento, mas não se engane, como eu, tem muitos que acompanham, e demorar meio ano é meio decepcionante para quem acompanha. Eu acompanhava a tradução para o inglês toda a semana e gostaria que fosse assim nesse Blog também, mas sei que esta ocupada, como disse nas notas iniciais.
Fico animada quando posta porque mesmo com a demora MONSTRUOSA, você é uma ótima tradutora e é bem detalhista com o português e me dá prazer de ler pelo tamanho capricho :D
Como falei varias vezes, eu NUNCA vou parar de acompanhar e a tradução esta perfeita s2
Bjs e espero que cumpra mesmo o prazo de 15 dias ok?

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